Giovanni Angelo Becciu, até então uma das figuras mais poderosas do Vaticano, passou de uma alta autoridade da Igreja Católica a réu no tribunal criminal da Santa Sé, após ser condenado em 2023 a cinco anos e meio de prisão por peculato e fraude. A condenação foi fruto de um escândalo financeiro envolvendo a compra de um luxuoso edifício em Londres, que causou prejuízos de 139 milhões de euros às finanças vaticanas.
Becciu, que por muitos anos ocupou o cargo de “sostituto” na Secretaria de Estado do Vaticano – equivalente a chefe de gabinete do papa –, era considerado uma figura influente, chegando a ser cogitado como possível sucessor de Francisco no papado. No entanto, seu envolvimento no caso de corrupção e a perda de sua posição como cardeal marcaram uma queda drástica em sua carreira e reputação.
O julgamento que resultou na condenação de Becciu foi centrado na compra de um prédio localizado em Chelsea, Londres. A transação foi marcada por uma série de irregularidades, incluindo uma supervalorização do imóvel, a falta de transparência nos investimentos e o envolvimento de intermediários que lucrou com o negócio às custas do Vaticano.
O Vaticano gastou cerca de 400 milhões de dólares ao longo de vários anos, mas acabou sofrendo um prejuízo de cerca de 140 milhões após a venda do imóvel. As investigações revelaram que o processo foi negligente, com a Santa Sé não sendo devidamente informada sobre uma hipoteca de 75 milhões de libras sobre o imóvel, além de outros aspectos prejudiciais ao interesse financeiro da Igreja.
A negociação foi realizada quando Becciu ainda estava à frente da Secretaria de Estado, e envolveu outros atores, como os financistas Raffaele Mincione e Gianluigi Torzi. Mincione foi condenado a cinco anos e meio de prisão, enquanto Torzi, acusado de extorsão e fraude, recebeu uma pena de seis anos.
Além da condenação criminal, Becciu também perdeu os direitos e privilégios associados ao cargo de cardeal. Em 2020, o papa Francisco aceitou sua renúncia ao cargo de Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, uma das posições mais importantes no Vaticano. Becciu, no entanto, jamais foi formalmente removido do Colégio Cardinalício, o que lhe permite, em tese, participar de um conclave papal, o que tem sido questionado por diversos observadores e até mesmo por ele próprio.
Em uma entrevista recente, Becciu afirmou que a lista oficial de cardeais do Vaticano, que o exclui do conclave, não tem valor e pediu que fosse reconsiderado seu direito de participar de futuras eleições papais.
Outro escândalo envolvendo Becciu foi a acusação de desvio de fundos para uma instituição de caridade na Sardenha, ligada a seu irmão, e de pagamentos a Cecilia Marogna, uma mulher que alegava ser consultora de segurança do Vaticano. Marogna recebeu quase 600 mil euros, supostamente para ajudar na libertação de uma freira sequestrada na África. No entanto, a investigação revelou que parte desse dinheiro foi gasto de maneira pessoal, em itens de luxo, o que levou à condenação de Marogna a uma pena de prisão de três anos e nove meses.
Durante o julgamento, surgiram especulações sobre um possível relacionamento íntimo entre Becciu e Marogna, o que foi negado por ambos. A polêmica ganhou ainda mais repercussão com a divulgação de um telefonema gravado entre Becciu e o papa Francisco, no qual Becciu tentava confirmar se o pontífice havia autorizado os pagamentos, sendo que o papa mostrou não se lembrar dos detalhes da transação.
O caso Becciu é um marco no sistema jurídico do Vaticano, já que a Igreja Católica alterou suas leis para permitir que bispos e cardeais fossem processados em tribunais civis. Até então, figuras como Becciu gozavam de uma imunidade de processos, algo que foi revogado devido à gravidade dos crimes envolvidos.
Com a conclusão do julgamento, o Vaticano reafirma seu compromisso em combater a corrupção interna, embora as questões sobre a condução do processo e as acusações contra Becciu ainda dividam opiniões, tanto dentro da Igreja quanto entre os observadores externos.
O futuro de Giovanni Becciu permanece incerto. Enquanto aguarda a decisão sobre seu recurso, ele segue morando no Vaticano, mas sem os privilégios de seu cargo anterior.
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