Duas produções audiovisuais mato-grossenses que abordam a cultura e o movo de vida cigano farão parte de uma exposição a ser realizada em novembro pela Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suíça. O filme Caminhos Ciganos (2023) e a minissérie Diva e As Calins de Mato Grosso (2022), dirigidos e roteirizados por Aluízio de Azevedo, integram a seleção por conta da premiação do realizador na edição do ano passado do “Concurso Internacional de Arte para Artistas Minoritários”, que em sua segunda mostra incluiu a temática da intersecionalidade.
Aluizio conquistou a menção honrosa na edição 2023, com a minissérie e cinco pinturas intituladas: “Árvore Taça do Tarot”, “Príncipe Espadarte”, “Bandeira Cigana/romani revisitada”, “Bau de Pérolas do Ser Cigane LGBTQIAPN+” e “Totem de Mim LGBTQIAPN+ Cigane”. Audiovisual e telas formam um conjunto importante para viabilização de questões ligadas tanto à forma como os ciganos são vistos pelas demais populações, como à aceitação de uma relação que não seja a heteronormativa dentro dessa comunidade.
“Acho que esse aspecto da interseccionalidade é interessante discutir, porque isso ainda é um tabu dentro das comunidades ciganas. O machismo é algo transversal a todas as comunidades e os homens ciganos são duplamente afetados, tanto pela racialidade, quanto pela força do patriarcado que existe na sociedade majoritária, que acaba impulsionando isso para dentro das comunidades, onde também tem coisas como LGBTfobia. É uma questão muito delicada que precisa ser abordada, precisa ser tratada”, frisa Aluízio.
“Eu fiquei muito feliz de participar, porque fui o único cigano premiado das três edições. E acho que sou o único brasileiro premiado por esse concurso da ONU”, comemora. Além disso, foi pioneiro ao ser laureado pela participação com produção audiovisual além das telas. Isso fez com que ele tivesse a oportunidade, agora em 2024, de mostrar não um, mas dois trabalhos.
Visibilidade necessária – apesar da premiação, Aluízio não conseguiu recursos em 2023 para ir à Suíça participar do evento. Convidado novamente, este ano ele pretende marcar presença na exposição, que ocorre de 05 a 10 de novembro, no “Center for Arts of the International School of Geneva in Switzerland”, em Genebra. Já conseguiu patrocínio para as passagens via Secretaria de Estado de Cultura, Esportes e Lazer de Mato Grosso (Secel-MT) e agora busca auxílio para as demais despesas, como hospedagem, alimentação e translado.
Sua participação ganha ainda mais relevância porque não há muitos artistas ciganos mostrando seus trabalhos, o que ele acredita ser por conta de uma invisibilidade histórica, do racismo estrutural e do preconceito muito presentes, tanto na sociedade brasileira, como nas demais, lamenta.
Aluízio lembra que se trata de uma comunidade também muito estereotipada e isso acaba se estendendo às artes produzidas por pessoas não ciganas. “Quando vêm, por exemplo, representações, são sempre a da cigana sensual, como Capitu, ou então da feiticeira. São sempre aspectos ou romantizados ou eles são os bandidos perigosos, os trapaceiros, os ladrões, sequestradores”, denuncia.
Essa invisibilização não é por falta de pessoas dessas comunidades que produzem arte. Aluízio afirma que há muitos artistas ciganos talentosos, como por exemplo Ceija Stojka, que inclusive foi sobrevivente do regime nazista. Aproveitando a deixa, ele lembra que 02 de agosto é o Dia Internacional em Memória ao Holocausto Cigano. “Foram mais ou menos 500 mil pessoas ciganas mortas no nazismo e ninguém sabe disso. A Ceija esteve na Bienal de São Paulo do ano passado com obras que inclusive retratam esse período”, ressalta.
Aluízio, no entanto, reconhece que essa ausência pode ter raízes internas. “Acho que as pessoas ciganas naturalmente, também têm uma tendência a formarem comunidades fechadas. Até por autoproteção. Mas, ao mesmo tempo, eu vejo que elas estão se abrindo muito nos últimos tempos, até porque é impossível viver de forma fechada em uma sociedade pautada pela comunicação, pelas tecnologias pela conexão e pela globalização”, opina.
Por tudo isso, Aluízio considera de suma importância participar e estar presente na exposição. Vejo como um momento super importante, tanto individual como artista e profissional cigane LGBTQIAPN+, quanto de forma coletiva para os povos ciganos brasileiros e para as pessoas LGBTQIAPN+ de uma forma em geral. As pessoas que passam por intersecção sofrem duplamente. No meu caso por ser cigano e por ser homem gay. E quando tem alguém individualmente alcançando uma visibilidade internacional, por meio de um reconhecimento da ONU, isso mostra que somos capazes, que temos culturas ricas e milenares e que colaboramos para as artes, a cultura e a sociedade brasileira”, salienta.
As produções – A minissérie Diva e As Calins de MT, realizada pela Associação Estadual das Etnias Ciganas de Mato Grosso (AEEC-MT), com direção de Aluízio de Azevedo, é um dos produtos transmídia de um projeto que premiou a raizeira e benzedeira cigana Maria Divina Cabral, a Diva, como mestra da cultura mato-grossense. Ela retrata a história de vida de Diva e outras quatro mulheres ciganas Nerana, Terezinha, Irandi e Nilva, todas de sua idade e também consideradas como mestras da cultura cigana da etnia Calon, da qual o diretor faz parte.
O curta Caminhos Ciganos registra a longa viagem do cineasta realizada em 2017 no intuito de conhecer e fortalecer sua identidade e ancestralidade. “Percorremos inúmeras cidades brasileiras, portuguesas e francesas, no intuito de conhecer outras comunidades ciganas, conviver com elas e imergir em seus cotidianos. Passamos por quatro cidades no Brasil, 10 cidades em Portugal e uma em França. Cruzamos e conversamos com personagens da vida romani, que encantam pela visão, sabedoria e simplicidade e contam como acontecem suas relações com os não-ciganos, a hibridação e/ou a manutenção das identidades Romani”, lembra Aluízio.
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